Matéria Veiculada pelo Jornal Gazeta do Povo
Leia na íntegra, por João Frey
Há algumas angústias no peito de quem faz jornalismo diário. Uma das principais, no meu caso, é o exercício cotidiano de identificar e separar os assuntos que tem solidez daquilo que é só espuma; o que é sério daquilo que não é; e o que é essência do que é apenas aparência. Pode parecer simples, mas há no Congresso Nacional – para ficar na minha área de cobertura – um bom tanto de gente cujo trabalho principal parece ser misturar as coisas. A tarefa é ainda mais difícil nesta legislatura que começou vestindo o velho de novo, a mentira de verdade e agora, com frequência, quer fazer o autoritarismo passar como liberdade.
Deixem-me descer dessas elucubrações para o andar do jornalismo para tentar ser mais claro. Os exemplos, afinal, estão aí para serem usados.
O deputado Filipe Barros (PSL-PR) é, na bancada paranaense em Brasília, quem parece mais se beneficiar dessa confusão que o momento permite. Em seus discursos, o deputado é implacável ao criticar as instituições públicas. Seguindo à risca a retórica bolsonarista, ataca o Supremo Tribunal Federal, o Congresso, partidos políticos e a imprensa.
Na prática, a coerência sucumbe.
Crítico do uso do fundo partidário, o deputado usou esse recurso para confeccionar 500 camisetas com a inscrição “Filipe Barros deputado federal”.
Denunciante de compadrios e imoralidades de seus adversários políticos, Barros tem o irmão empregado no governo de Jair Bolsonaro. Repreensor do uso político de igrejas por partidos de esquerda, o parlamentar montou um posto de coleta de assinaturas de apoio ao partido Aliança pelo Brasil dentro da Igreja Presbiteriana Central de Londrina.
São essas incoerências que exigem o trabalho diário do jornalismo; um estado de alerta contínuo para não deixar que o volume e o extremismo do discurso desviem os olhos daquilo que de fato é feito.
Por outro lado, o batear paciente dos assuntos públicos em Brasília revela bons achados nos temas que dizem respeito ao Paraná. Novamente, os exemplos estão aí para serem usados.
Toninho Wandscheer (Pros) é o coordenador da bancada paranaense no Congresso Nacional. De oratória e presença pouco marcantes, não é um sujeito de impetuosidades e polêmicas. Em 2019, seu pragmatismo rendeu um bom momento político para o estado durante a elaboração das emendas de bancada. Com o caixa combalido, o governo do Paraná está sem recursos para executar as obras e programas de governo. A expectativa de que a União pudesse financiar essas iniciativas sucumbiu diante da crise também no governo federal. Nesse cenário de falta de recursos, as emendas impositivas dos parlamentares viraram uma das poucas fontes de financiamento de investimentos no estado.
O bom trabalho de Wandscheer foi articular os interesses dos deputados e do governo estadual de modo a não pulverizar recursos, nem destiná-los para programas que não são prioritários para a gestão de Ratinho Junior. Um trabalho de pouco destaque, mas que deu uso racional para R$ 247 milhões que serão aplicados no estado em 2020.
Há outros bons exemplos que poderiam ter sido escondido pelo debate acalorado sobre temas desimportantes: o relatório que Luciano Ducci vem fazendo sobre o uso medicinal da maconha; proposta de Flavio Arns para a renovação do Fundeb; e os posicionamentos e articulações da bancada na tentativa de expandir a concessão das rodovias do Paraná em 2021.
Daí a angústia e o perigo de ficar com a vista encoberta por espumas. Deixar o bom trabalho passar batido é alimentar a perigosa e oportunista desconstrução das instituições públicas.
João Frey (Gazeta do Povo)